Criança Também Dança #58 l O tempo voa, amor
Mesmo sabendo, ainda me impressiono com as surpresas do dia a dia
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Pois é. Mesmo vivenciando isso diariamente, quando acontece é sempre arrebatador. A vida simplesmente acontece. O tempo passa e é intangível. A constante inconstância de tudo…
O texto hoje fala sobre um acontecimento surpreendente e sutil, mas histórico, que poderia apenas ser “mais um dia", mas que na verdade é a síntese da passagem de todos os dias. Das histórias acumuladas, das noites, das risadas, dos momentos e sentimentos.
Incrédulo
Por Felipe Carvalho
Voltamos de viagem de carnaval hoje. Fomos pra Araras com um casal de amigos, Pedro e Paloma, vulgo pais do Inácio, que, por sua vez, é vulgo melhor amigo do Luca.
Foi como todo carnaval deve ser: leve, brincante, cheio de comidas, bebidas e risadas. E o melhor, acompanhando de perto essa amizade que vem crescendo e se desenvolvendo - assim como eles - a cada dia.
Quando chegamos em casa, arrumamos tudo. O Luca fez questão de ajudar, carregando partes da mala e qualquer coisa que ele conseguisse - fofo. Pós arrumação, como já estava combinado, fomos pra casa da vovó Lelê (mãe da Isa). Também foi incrível por lá. Com brincadeiras, sorrisos, comidinhas e felicidade. Cara, foi bem legal mesmo, o Luca estava super feliz e brincante - e nós também.
Até que chegou a hora de ir embora.
Luca já estava exausto. Eram cerca de nove da noite - bem depois de seus habitual horário de dormir - por volta das sete e meia - sem contar que havíamos chegado de viagem no dia.
Nós cansados, ele exausto, foi então que… Ele pediu pra dormir lá.
Simples assim. Pediu pra dormir lá.
“Eu quero dormir aqui, não quero ir pra casa."
Simples assim?!
Bom, não é como se fosse a primeira vez que o Luca dormiria fora de casa. Ele já dormiu outras duas vezes. Mas foi porque nós havíamos decidido e pedimos aos meus pais por este vale-night.
Mas essa, foi a primeira vez que ELE pediu pra dormir fora.
Ele pediu.
A Isa, prontamente, falou “ah então tá meu amor, amanhã a vovó te leva na creche, tá?".
Eu, literalmente, não tive essa reação.
Fiquei travado, paralisado. Incrédulo. Ainda questionei “filho, é isso mesmo que você quer? Se você ficar aqui, vai dormir sem o papai e a mamãe". Ele disse "sim", esfregando os olhos de sono.
Eu, seguindo os passos da Isa por livre e espontânea pressão, confirmei e nos despedimos. Ele prontamente foi para o sofá da sala porque queria dormir ali.
Nós então nos direcionamos pra sair. A Isa já na porta, eu ainda relutante e andando devagar, olhando pra trás, na esperança de que ele iria mudar de ideia e vir correndo para meus braços.
Então entramos no elevador. Eu, Isa e Mia.
O Luca tinha ficado lá.
Foi quando comecei a lacrimejar.
A Isa deu um sorriso sem graça quando entendeu o que eu estava fazendo.
Entramos no carro e viemos embora.
Ao sair do prédio, desabei em lágrimas. Chorei até entrarmos em nosso prédio, sem parar um segundo ao mesmo tempo que prendia o choro para não acordar a Mia e deixar a Isa ainda mais puta frustrada comigo.
É difícil explicar exatamente o que senti. Vim pensando em todos os momentos desde meu renascimento (chegada do Luca).
Desde o início mesmo.
O reencontro com a Isa, nosso início de namoro, a descoberta da gravidez e paternidade, a mudança de apartamento, o nascimento do Luca. Seu desenvolvimento. Ele crescendo. Desde os primeiros dias, chorando pelas madrugadas, mamando. As fraldas vazadas, nosso primeiro banho, nossa primeira viagem, nossa segunda viagem, ele aprendendo a engatinhar, suas primeiras palavras “da da dishh", seu primeiro dia na creche, suas amizades, sua recente mudança de turminha na creche… incontáveis memórias. Tudo, tudo, tudo que eu vivi nos últimos anos passou em minha cabeça ao mesmo tempo.
Porque de repente, do nada, meu filho tinha decidido que não queria dormir com a gente. Apenas por uma noite. Mas ele que tomou essa decisão. E eu não estava preparado.
Aliás, não estou.
Assim como não estava e acho que ainda não estou pronto pra ser pai. O que dirá pai de dois.
Mas cá estamos nós.
Nada do que eu já passei em minha vida inteira me gerou tanta dúvida e ao mesmo tanta certeza e vontade de viver, quanto essa coisa chamada parentalidade.
Nada nunca mexeu e provavelmente nunca mexerá tanto com meus sentimentos quanto ver meus filhos crescendo.
Não me levem a mal, claro que eu entendo o quanto isso tudo é maravilhoso. Isso é um sinal que ele está se desenvolvendo, conquistando sua própria autonomia. Nada é mais engrandecedor do que isso. Nada é mais importante do que isso.
Vê-lo crescendo é incrível! Nós sempre soubemos que o Luca nasceu pra desbravar o mundo. Sempre, sempre.
Mas agora que aconteceu, me pegou desprevenido.
É um mix de sentimentos. Orgulho e felicidade, pois estas atitudes só mostram que estamos no caminho certo. Mas também, apreensão e um pouco de angústia porque o tempo passa muito rápido e o mais difícil é se dar conta disso conforme vamos vivendo.
Os três tempos tem um significado incrível. O passado, nos relembra o quanto tudo valeu a pena. A noção de futuro nos guia para trilharmos os caminhos que queremos seguir. Mas o presente… o presente é onde tudo acontece, ao mesmo tempo que tudo passa e, às vezes, sem ser tangível.
Porque, diferente do passado, feito de memórias e lembranças e do futuro, feito de esperanças e projeções, o presente é atravessado o tempo todo por diversas situações, ao mesmo tempo. Portanto é muito fácil se deixar levar por elas e se esquecer daquilo que realmente se quer ou daquilo que realmente vale a pena
São essas pequenas sutilezas da vida que nos abrem os olhos para a passagem destes tempos.
Os filhos nos atualizam o tempo todo.
Agora, escrevendo, eu entendo porque a Isa ficou um pouco chateada comigo.
Eu não fui firme. Não gerei confiança suficiente naquilo que o Luca tinha decidido, diminuindo sua confiabilidade em si mesmo.
Isso mexeu com ele.
Tanto que, tão logo estávamos em casa - eu lavando roupa, obviamente (afinal, afazeres domésticos são um ótimo momento para refletir. Fica a dica) - e, novamente de repente, a Isa aparece falando “O Luca está voltando, não quis ficar lá".
É claro que eu sorri na hora.
Mas, em alguns instantes, entendi que isso pode ter acontecido também por causa das minhas atitudes frente às suas decisões.
Não fiquei tão feliz quanto achei que ficaria.
Depois que ele chegou, eu e Isa o colocamos pra dormir. Foi muito gostoso. Foi o ápice da noite. A gente se abraçou muito forte quando ele chegou. Deitamos juntos em sua cama, apertadinhos, nós três. Conversamos e lemos um pouco, até que ele pegou no sono.
Então, eu e Isa conversamos um pouco e eu pude entender o que ela estava sentindo. Resumindo, concluímos que eu deveria ter demonstrado mais firmeza e compreensão na hora que o Luca pediu pra ficar lá.
Afinal, educar é sobre dar limites com afinco e afeto. Para se criar uma criança é preciso demonstrar confiança. Seja naquilo que se diz e como se age, mas principalmente naquilo que ele decide. É preciso mostrar a eles a importância de tomar as próprias decisões - mesmo que estas vão contra aquilo que seus pais “esperavam". Ensinar com leveza, amor e principalmente firmeza. As crianças sentem tudo. Falar que “está tudo bem" mas agir com indecisão gera confusão neles. Crianças aprendem com gestos e atitudes, não com palavras. Eles precisam sentir nossa firmeza, para poderem desenvolver em si sua própria confiança e autonomia.
Então, tudo isso acabou sendo um grande aprendizado. Para o Luca - que afinal está aprendendo sobre tudo, o tempo todo, desenvolvendo-se diariamente - mas principalmente para mim.
Tem algo que venho aprendendo. Não preciso me culpar o tempo todo. Antes de escrever este texto e antes de conversar com a Isa, eu me senti culpado por tudo. Mas não vou me cobrar tanto neste sentido.
Estamos, eu e Isa, aprendendo sobre tudo, o tempo todo também. Sobre ser pai e mãe, sobre educar. Sobre intuir, sobre acolher. Sobre ser e viver.
Nossa parentalidade tem a mesma idade do Luca.
O tempo não é cronológico. Passa rápido. Passa devagar. E muda o tempo todo.
Eu aprendo todos os dias com você meu filho.
“Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
E não há tempo que volte, amor”
Lulu Santos