Criança Também Dança #56 l Hiato
Dar feliz ano novo 18 dias depois do começo do ano ainda vale?
Nossas últimas danças:
Criança Também Dança #55 | Do monólogo à conversa
Criança Também Dança #54 | Vamos conversar?
Criança Também Dança #53 | Voltamos
Tivemos um pouco mais de um mês desde a nossa última edição. Talvez dois meses? Só pra combinar com o fato de que temos dois filhos. Nesse meio tempo, é claro, nos cobramos muitas vezes por não estarmos aqui, até deixarmos de nos cobrar. Foi um hiato natural, sem pressão por existir, sem pressão por terminar. Aconteceu. Assim como a vida (e coloca vida nisso). Segunda filha, puerpério, trabalho, exaustão de final de ano, férias, descanso.
O intuito desse espaço sempre foi a troca da vida como ela é. Por isso, nada mais natural do que se ausentar, justamente por estarmos fazendo aquilo que deu origem a esta Newsletter: Viver enquanto se sobrevive. Resumindo, estávamos distantes porque estávamos ocupados criando conteúdo pra cá (risos).
Bom, voltamos. E estávamos com saudades!
Viver, rezar e fé
Por Isabella Herdy
Não sei por onde começar porque faz tanto tempo que não começo que parece que desaprendi. A escrever.
Escrever sobre o que se passou, o que não passou, o que descompassou. Tudo.
A Mia chegou. A vida enlouqueceu. A vida acalmou. Foram tantas viroses que eu perdi a conta. Antibiótico como se fosse pasta de dente, uso diário. Antes de qualquer conselho, sim, começamos a homeopata, fui à nutricionista, viajamos pro mato, respiramos ar puro, dormimos - eu pelo menos. Ainda assim. Sete dias de antibiótico pra um, dez pro outro.
Ah, começou um novo ano. Já faz quase uma semana. Agora mais de duas. Porque comecei a escrever esse texto e tive um hiato de aproximadamente dez dias. Ainda não fiz minhas metas, mas deveria. Tenho evitado pensar. Li três livros em sete dias, isso ajudou, a não pensar. Fernanda Torres é uma gênia, já sabíamos é claro, mas ela é genial escrevendo, recomendo. Depois dessa saga comecei a reler Comer, Rezar e Amar. A última vez fazem seis anos. A penúltima e primeira doze. Com excessão de algumas frases e pequenos comentários da autora, esse livro é atemporal. Me fez sentido aos dezoito, segue me fazendo sentido aos trinta. Uma mulher em busca de si mesma. Isso não envelhece.
Estou aqui, me procurando. Dessa vez com menos pressa de me achar. Nada como a maturidade da idade, também disso Fernanda Torres no Roda Viva. Não exatamente isso, mas algo celebrando esse lugar, da maturidade, ainda que ache que me falte um tanto.
Pausa para refletir sobre o fato de que queria escrever “estou aqui, em busca de mim mesma", e saiu “estou me procurando”, como se eu estivesse escondida. Talvez eu esteja me escondendo de mim mesma, então.
Em Comer, Rezar e Amar, estou na Índia, na parte do livro que ela percorre seu caminho rumo à devoção. Lembro-me da minha astróloga na nossa última sessão: “maternidade é o trabalho mais espiritual que tem, ninguém vai pra retiro quando tem filho pequeno em casa pra cuidar”. Oi Deus, sou eu aqui de novo, dar comida, trocar fralda e explodir de tanto amor com meus filhos conta como trabalho de fé? Espero estar deixar o mundo dois habitantes melhor. Tenho fé. Tenho fé nisso pelo menos.
Amém.
Nota de rodapé: se for ler Fernanda Torres, recomendo começar por “Fim” e depois ler “A glória e seu cortejo de horrores”. O seu primeiro livro, de crônicas, “Sete Anos” eu larguei no meio. Muitas referências cinematográficas das quais não tenho. Acontece. Se por acaso nunca tiver lido "Comer, rezar e amar" largue tudo e comece imediatamente.
Sutil grandeza
Por Felipe Carvalho
Sempre o mais difícil é o começo. Talvez esse seja o propósito ao escrever essa frase: simplesmente começar.
Pronto. Comecei. Sobre o que vou escrever agora? Não sei ao certo. Vou deixar as palavras virem, seguindo os ensinamentos de Elizabeth Gilbert no livro “A Grande Magia" e surfando a onda também.
(Elizabeth Gilbert é a autora de Comer, Rezar e Amar)
Mas se há algo que de fato tem estado em voga em nossa vida - além da autora citada - pelo menos para mim, é o tempo. Quando falo “o tempo" me vem à cabeça o quanto escrevo constantemente sobre ele. Talvez. Acontece que no meio de um turbilhão, é difícil simplesmente parar, organizar as ideias e escrever. Então quando me dou conta, passou. E passa mesmo. Não estou aqui falando sobre "ah, aproveite essa fase pois passa muito rápido!“ afinal, como já mencionei em algum outro texto, essa frase me gera repulsa. Estou falando que o tempo passa mesmo. Não só o tempo, mas os momentos.
Deixa eu contextualizar. Estamos em Búzios, curtindo as minhas duas últimas semanas de férias - minhas, pois a Isa já voltou a trabalhar (lê-se nunca parou) - e nessas andanças de viagem me veio um devaneio sobre o que é felicidade?
Bom, pra mim, pra ser feliz é preciso estar de olhos abertos para perceber como e quando se é feliz. Na hora. No momento em que se vive. O único jeito que consigo compreender ser possível de se vivenciar isso é estando presente, em corpo e mente. É presença.
Presença quer dizer estar consciente no aqui e agora, sem devaneios para além do que se vive, deixando-se levar pela infinitude daqueles segundos.
Afinal, como escrevi certa vez…
"Como estar presente, se o corpo que sente e a mente que pensa, nunca se encontram na mesma presença?”
Isso tudo pra dizer que, pra mim, a felicidade tem relação direta com a percepção e a atenção. Porque os momentos passam. E se passarem despercebidos, como ser feliz?
Quando um momento passa, ele vira lembrança. Essa lembrança, muitas vezes tem sabor. Aí que está o ponto chave de tudo que estou falando.
Se vivemos o momento com atenção e presença, essa lembrança tem o sabor leve, doce e inconfundível da saudade. Isso gera uma sensação de alívio, de que as coisas têm valido a pena.
Mas se a vida passa e vivemos situações onde corpo e mente não se encontram, os momentos passam sem sabor. Isso gera uma sensação de insegurança. Nesta hora é preciso ter cuidado pra que uma lembrança não amargure com a dúvida.
Esse pensamento tem me tocado muito, pois às vezes me pego imaginando se eu poderia ter me dedicado mais a alguma dessas situações incríveis, únicas e inconfundíveis daquilo que me mais faz feliz: estar com meus filhos e minha família.
Na correria do dia a dia, na pressa, na preocupação em resolver tudo e não faltar nada, é muito fácil se perder neste furacão e faltar justamente com aquilo que se é mais importante: a presença.
Tenho vivido situações tão mágicas que meu maior temor é que eu não esteja conseguindo me dedicar a esses momentos como eu gostaria, de forma leve e espontânea. Porque o tempo passa, estamos juntos e de férias, daqui a pouco já voltamos a rotina alucinada de um ano letivo e simplesmente o que se viveu ou será eternizado e internalizado na vida de cada um de nós, ou ficará escondido no passado. O maior medo da minha vida é olhar pra trás, seja daqui a dez ou vinte anos, quando estiver lembrando dessa viagem, ou de qualquer uma das outras que eu e Isa sempre brincamos de lembrar com as crianças e, de repente, me pegar pensando "caramba, onde eu estava nessa hora?”
Quando se tem filhos pequenos, cada dia é um dia. No melhor sentido possível que essa frase possa ter. Porque para uma criança, toda e qualquer situação é nova e única. Surpreende e encanta. Cada cheiro, toque, sabor, calor, cor, som… cada momento engrandece. O todo, é tudo.
Viver a genuinidade e espontaneidade de uma criança é a maior riqueza que a vida pode trazer.
Escrevo isso com algumas imagens tão claras em minha cabeça que consigo sentir as nuances e cada frequência dos sons que formam a trilha sonora delas.
Estou falando do Luca correndo na praia, com sua dancinha saltitante e sua risada singular de que está no auge de sua vida.
Do sorriso delicado da Mia ao acordar e virar levemente sua cabeça até que seus lindos olhos se esbarram com nossos olhares atentos.
Estou falando do corpo da Isa que sorri, num big bang de emoção toda vez que ela encontra com eles, seja depois de um dia inteiro distante, ou apenas um instante, como ir e voltar da cozinha pra pegar um copo d'água.
Estou falando que se há algo que possa ser chamado de felicidade, este algo é a forma sutil com que alguns segundos ficam eternizados. Pois se o tempo passa, esses são os momentos que ficam.
“Não sei se prevenido ou preocupado
Eu ando viciado em resolver função
Pra tirar tudo da frente
E sentir finalmente paz no coração”
Trecho da música "A Balada de Tim Bernardes”